16 setembro 2014
Educar com Tecnologia
"Trecho extraído do texto Novos desafios na Educação - a Internet na educação presencial e virtual."
Por: José Manuel Moran
Depois desse panorama que parece um pouco assustador para alguns, vou expor o que é educar. A questão fundamental não é a tecnológica. As tecnologias podem nos ajudar, mas, fundamentalmente, educar é aprender a gerenciar um conjunto de informações e torná-las algo significativo para cada um de nós, isto é, o conhecimento. Hoje nós temos inúmeras informações e um conhecimento bem menor, porque estas nos escapam, estão soltas, não sabemos reorganizá-las. O conhecimento é isso. Além de gerenciar a informação, é importante aprender a gerenciar também sentimentos, afetos, todo o universo das emoções. Educar é um processo complexo, não é somente ensinar idéias, é ensinar também a lidar com toda essa gama de sensações, emoções que nos ajudem a nos equilibramos e a viver com confiança. O professor que tem uma atitude de equilíbrio e que inspira confiança, ajuda muito os seus alunos a evoluir no processo de aprendizagem.
Ao mesmo tempo, educar também é aprender a gerenciar valores. Não basta só informação e conhecimento. A universidade se omite muito neste campo, quando deixa os valores para o âmbito da família, religião, do campo pessoal. Tudo está impregnado de valor, mesmo as equações mais abstratas.
A educação tem sentido se trabalhamos com valores que nos ajudem a nos realizarmos, a sermos felizes – professores, alunos e os demais envolvidos no processo. De que adianta educar somente para o trabalho? Ele é importante, mas tem tanta gente insatisfeita, mesmo ganhando muito....! De que adianta só trabalhar se a pessoa não encontra sentido para a vida? Então, educar é também procurar encontrar sentido para viver. Educar é aprender a gerenciar processos onde, de um lado, você caminha em direção à autonomia, à liberdade. E, de outro, você busca sua identidade. Você deixa uma marca e, ao mesmo tempo, você interage, você consegue viver em sociedade, trabalhar em conjunto. Educar também é aprender a gerenciar tecnologias, tanto de informação quanto de comunicação. Ajudar a perceber onde está o essencial, e a estabelecer processos de comunicação cada vez mais ricos, mais participativos.
Eu vejo uma parte dos alunos de hoje na universidade, pelo menos na área em que eu atuo em São Paulo, muito preocupados com o futuro, mas somente no sentido de conseguir um lugar, ganhar dinheiro, uma boa posição social, numa perspectiva individualista, competitiva. Isso é preocupante. Há algumas áreas da universidade onde predomina o ensino bem tradicional. Um colega relatou-me que acompanhou uma aula em que havia um grupo grande de alunos tomando notas. Um aluno do fundão levantou a mão: “Professor não entendi”. E a turma da frente disse: “Continue, continue, nós não podemos perder tempo”. Mas que tipo de processo é esse em que os alunos querem só anotar o que o professor fala e quem fica para trás, é deixado de lado?. De um lado nós estamos falando de educação, dessa visão integradora, mas existem ainda muitos alunos e também professores, que ainda tem essa visão competitiva de “absorver a informação”, de chegar logo na frente. Estou falando de exemplos concretos de pouco tempo atrás, não da década passada.
Antes de falar de Internet, quero falar da educação como comunicação. O educador revela na hora em que entra em contato com o aluno, mesmo que não fale, pela postura, pelo olhar, pela inflexão de voz, em que estágio de desenvolvimento e aprendizagem se encontra. Revelamos o que aprendemos realmente. Temos um currículo oficial onde listamos nossos cursos, tudo o que nós fizemos. Isso é uma parte da nossa história, que revelamos quando buscamos um emprego. Mas há um outro currículo que se chama de aprendizagem de vida, que mostra, quando você fala, pela forma como que você se expressa, pelas idéias que você comunica, o que você realmente aprendeu. Às vezes duas pessoas que fizeram os mesmos cursos, depois de alguns anos, já adultos, chegam a resultados completamente diferentes. Há pessoas que vão aprendendo sempre mais, enquanto outras, parece que desaprendem, que se complicam, se fecham, se tornam mais agressivas ou depressivas.
Aprendemos mais combinando de forma equilibrada a interação e a interiorização. As pessoas estão tão solicitadas pela ação externa, que se esquecem de si mesmas, estão todo o tempo navegando, viajando, todo tempo falando com as pessoas, indo de um lugar para outro, estão sempre ocupadas. Então, aprende-se hoje muito pela interação, mas esquecemos que o conhecimento só se faz forte, só se consolida quando o reorganizamos dentro da nossa própria perspectiva, do nosso universo, do nosso repertório, do nosso contexto e, para isso, precisamos ter o nosso tempo, o nosso dia, ter também a capacidade de olhar para nós mesmos, de encontrar tempo para meditar no sentido mais amplo, não somente religioso, e isso muitos adultos e também crianças não o têm. Esse, para mim, é um dos grandes problemas. Temos muita informação e pouco conhecimento. As pessoas procuram informações, navegam nos sites. O conhecimento não se dá pela quantidade de acesso, se dá pelo olhar integrador, pela forma de rever com profundidade as mesmas coisas. Para conhecer o mundo, não é preciso viajar muito. Basta enxergar o mundo a partir de onde você está, com um olhar um pouco mais abrangente. Não é só correr mundo, isso também é bom, mas se fosse assim os agentes de viagem seriam grandes sábios. O conhecimento também se dá pela interiorização e pela observação integradora.
Um dos desafios é como transformar a informação em conhecimento e em sabedoria. Sabedoria é um conhecimento integrado com a dimensão ética. A universidade prepara para o conhecimento. Mas o conhecimento pode ser usado para explorar o outro, para manter a desigualdade de um país. Então, na universidade, muitas pessoas se preparam para servir aos grupos que tem mais dinheiro, esquecendo-se da maioria; falta-lhes a visão social. Então, o conhecimento parcial não integra a competência intelectual, a emocional e a ética. Esse é o desafio. Como juntar tudo isso numa sociedade tão desestruturada, onde estamos voando e não sabemos para onde? Como juntar o intelectual com o emocional e o ético, e não ver o ético como uma espécie de carga, mas como um desafio de crescimento pessoal?. A pessoa que evolui percebe que ter um comportamento honesto, não é ser otário; pelo contrário, significa gostar de si mesma. Otário é o desonesto, aquele que leva vantagem. Esse está atrasando a evolução dele e a de toda a sociedade. Está complicando tudo, mas infelizmente muita gente não percebe isso ainda.
Como se comunicar de uma forma coerente numa sociedade em que predomina o marketing, as meias verdades? Só vou falar aquilo que me interessa e esconder de baixo do tapete o que pode me prejudicar? Isso é um desafio, hoje também interessante. A comunicação autêntica faz avançar mais o processo de compreensão da realidade, mas, ao mesmo tempo, as nossas falas são cada vez mais superficiais. As pessoas falam muito, passam o tempo todo falando. Nos bares, no trabalho, na rua todo mundo está falando. Mas as pessoas não se revelam, falam de tudo menos de si mesmas, elas se escondem atrás das falas. Às vezes você pensa que conhece uma pessoa durante anos, mas de alguma forma ela escondeu o principal. Você pensa que uma pessoa é realizada, e depois você percebe que é infeliz, não se mostra assim... ela coloca uma barreira, finge até que desabafa, tudo isso... Às vezes, pessoas que pareciam extremamente equilibradas entram em depressões, psicoses... mas como podem, pessoas tão cheias de vida?!
O desafio é como sermos educadores, comunicadores de pessoas competentes e integradas. Creio que nós não precisaríamos de tantas teorias pedagógicas, se fôssemos pessoas mais amadurecidas. Na hora em que você é uma pessoa mais integrada, mais amadurecida, mais equilibrada, o seu processo de comunicação com esse aluno flui, a sua credibilidade aumenta, a forma como você comenta as coisas chama a atenção dele. Esse é um processo em que muitas pessoas não acreditam. Costumamos ter a visão de que tudo é imperfeito, de que já conseguimos aquilo que podíamos, de que a vida é assim mesmo, e esperar mais é uma bobagem. Perdemos o idealismo, deixamos de acreditar, principalmente na fase adulta, na capacidade de mudar. Acomodamo-nos, ficamos repetindo os mesmos ritmos, as mesmos coisas, tornamo-nos pessoas pela metade, quando poderíamos ser pessoas muito mais evoluídas. Se nós mesmos não acreditamos, como educadores, no nosso potencial, como poderemos estimular o potencial dos nossos alunos?
Outro desafio é integrar as tecnologias em projetos pedagógicos, inovadores e participativos. Aqui também, o mundo das tecnologias envolve muitos grupos empresariais que querem ganhar dinheiro, que só querem vender, que vendem tudo como solução. A tecnologia nos ajuda, mas também nos complica. Tem um lado que nos favorece e um lado que nos controla: essas câmeras que eles colocam nas grandes cidades que servem para observar o trânsito e também para vigiar os cidadãos, para controle dos movimentos sociais. Temos também muitas ambiguidades no uso das tecnologias. Então, como sociedade nós avançamos muito sob o ponto de vista tecnológico. Dizia Arnold Toynbee que, tecnologicamente, somos como que deuses, enquanto do ponto de vista humano, ainda somos como primatas. Isso não acontece só no Terceiro Mundo. As guerras mais cruéis, os grandes genocídios do século XX aconteceram na Europa avançada, na Europa refinada, na Europa cheia de museus e de história.
Nunca tivemos tanta informação disponível, tantas tecnologias, mas nunca tivemos também tanta dificuldade de comunicação. Comunicar significa interagir de verdade, todos nós que estamos envolvidos no processo.
José Manuel Mouran é professor de Novas Tecnologias na USP (aposentado), co-fundador do Projeto Escola do Futuro da USP (1989) e coordenou alguns programas de educação semi-presencial (blended learning) e à distância.
Fez Filosofia (SP), Comunicação (Buenos Aires) e Mestrado e Doutorado em Comunicação na USP.
Para visitar o site do autor do texto acesse: http://www2.eca.usp.br/moran/
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