02 setembro 2014
Música ao Longe
O livro Música ao Longe foi escrito em 1935 a fim de concorrer ao Prêmio Machado de Assis (que aliás ganhou). Em suas 240 páginas, Érico Veríssimo soube mostrar uma grande versatilidade: emprestou as suas palavras à voz de uma garota de 16 anos, Clarissa; aos seus pais, ao jovem rebelde Vasco e até mesmo à personagens secundários – com suas peculiaridades.
Veríssimo usa uma técnica de narração sofisticada: a maior parte do romance, Clarissa narra os acontecimentos por meio de seu diário ou de suas divagações. Contudo, há também um narrador em terceira pessoa. Esse narrador mergulha no íntimo dos demais personagens, dando- lhes, às vezes, a oportunidade de cada um contar a sua estória. Apesar desta densidade psicológica, a fluidez com que o livro foi escrito nos dá uma rapidez de leitura incrível. Em outras palavras: simplicidade misturada a algo profundo.
O enredo do romance é ambientado na cidadezinha Jacarecanga, onde Clarissa é professora de uma escola municipal. Sua vivacidade e olhar observador misturam- se a uma ingenuidade que pode ser atribuída a sua criação. João de Deus, seu pai, é um pecuarista falido, cheio de um orgulho decadente. O pai de João de Deus, sr. Olivério, fora respeitado por todos da cidade. E ele, como filho, espera ter o mesmo prestígio – que não tem. D. Clemência, esposa submissa e dedicada, reprimia suas opiniões e via a inércia do marido sem lhe dizer palavra.
João de Deus carrega pontos positivos e negativos do patriarcalismo: o apego à família misturado a uma visão arcaica do papel feminino na sociedade, e do trabalho árduo mas desprestigiado. Tudo isso acaba respingando na personalidade de Clarissa. Tímida, muitas vezes arrepende- se por não ter nascido homem. Acha que não deve verbalizar suas opiniões e que tem obrigação de se submeter às vontades do pai. A relação com a mãe beira a uma frieza não só pela natureza de D. Clemência como também pelo estilo de vida que lhes eram imposto.
O diário em que escreve é o seu refúgio. Sua família está falida. Financeiramente e emocionalmente. Um tio alcoólatra, outro viciado em cocaína, uma tia que não se casa (noiva há mais de dez anos), um primo rude e mal criado e um pai sem eira nem beira. O único senão para esse quadro desolador é a tia bem velhinha, Zezé. No diário, anota o seu dia-a-dia monótono e triste. Caso não fosse a sua rica imaginação e suas leituras, talvez fosse mais um personagem deprimido na Literatura….
De suas leituras, destacam- se as poesias de Paulo Madrigal (fictício, por sinal). Dentre elas, há uma que fala do amor que está por vir… Como uma música ao longe…
E lá se vai Clarissa a sonhar com o amor. O amor dos romances açucarados que lia…
A protagonista de Música ao Longe tem uma profunda saudade da infância. Os amigos Lia e Léa, Conca, Xexé, o primo mal criado, Vasco, e Gustavo Gamba colorem de lembranças boas – e até ruins - a vida de Clarissa. Vasco é um personagem cheio de faces e mistérios. Exceto Vasco e Gustavo, os demais personagens citados tem um papel secundário na história, bem como a figura do sabichão Seu Leocádio (amigo da família de Clarissa), o noivo da tia, Pio Pinto, entre outros.
O autor de Música ao Longe emprega uma linguagem simples, beirando ao coloquial. Consequentemente, o livro é fluido (não no sentido de inconstância, mas sim de leveza) como uma boa música suave. Isso faz deste livro coeso desde a sua proposta (o nascimento de um amor) até a própria escrita. Vale lembrar as recorrentes mortes na história, misturadas a um ritmo pulsante de um querer viver da Clarissa. Vida e morte. Início e fim.
Resenha feita por: Polly Silva
Érico Veríssimo - 17/12/1905 - 28/11/1975 |
Trechos do Livro Música ao Longe
“As meninas ficam olhando a noite. E quando Lia, Léia e Dolores começam a falar em tirar sortes, Clarissa continua ainda a olhar para o Céu. Há um mistério no céu, um segredo na noite. O vento parou. Onde será que o vento fica quando não anda correndo pelo mundo? Onde ficará a casa do vento? E até o frio hoje resolveu não sair de casa. A noite está morna, e duma mornidão engraçada que às vezes parece calor e às vezes faz a gente sentir calafrios”.
“Mas lá no fundo, bem no fundo de seu espírito, fala de mansinho uma voz secreta que lhe diz que apesar de tudo a vida tem presentes bonitos para nos oferecer.”
“De que vale este vestido branco de organdi? De que vale este quadro laqueado de verde-claro? De que vale esse espelho? E aquelas flores? E aqueles quadrinhos nas paredes? De que serve esta vontade que a gente tem de ver e de fazer coisas bonitas? De que vale este desejo de ter bons amigos, de viver no meio de gente alegre? De que vale tudo isso, se os “outros” não compreendem? Se os outros não correspondem, meu Deus!”
“Fiquei pensando muito na velhice. Parece mentira que uma moça pode ser bonita, viva, inspirar versos aos poetas, ter apaixonados e depois o tempo passa e essa moça vai ficando mais velha, mais velha, ate virar uma passa de figo, enrugada, encurvada, de cabelos brancos, sem dentes (que horror! Sem dentes!). A vida é muito engraçada. Não, a vida é muito triste. Haverá coisa mais terrível do que a gente ser velha e se lembrar de que já foi moça. Ser velha e ir se olhar num espelho enxergar dentro dele uma cara que é quase uma caveira? E quando vem a caduquice? A gente anda resmungando pelos cantos, mascando fumo e se portando como criança de três anos.”
Ps: Ótimo livro. Recomendo a leitura!
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